Tem-se discutido muito, em meio às sucessivas crises de falta d'água, medidas emergenciais para solucionar o problema, caso da mais grave crise hídrica do sudeste brasileiro.
Porém, é notório vermos os discursos e medidas tomadas corroborarem com o espírito típico das autoridades e da população brasileira de tomar atitudes quando o problema já explodiu ou mesmo manipular os problemas ambientais com finalidades eleitoreiras. Apesar das sucessivas crises, que já trouxeram muitos problemas, parece que todos nós nos esquecemos muito rapidamente das lições do passado. Tanto esquecemos que estamos sempre enfrentado crises e mais crises, sinal claro de que nada foi ou está efetivamente sendo feito.
Na atual crise hídrica a história se repete: as autoridades atacam' o problema com medidas paliativas, para aliviar momentaneamente a situação, e não com decisões que realmente poderiam resolver ou pelo menos evitar que a situação chegue no estado de calamidade.
Podemos dizer que um dos principais problemas não está somente na falta de chuva, mas sim na situação catastrófica em que as nascentes de nossos rios encontram-se por todo o território brasileiro, seja por ignorância, incompetência, desleixo ou mesmo ações propositais para obter ganhos escusos.
Mas por que as nascentes e mananciais são tão importantes e como elas podem resolver o problema? O objetivo deste artigo é trazer alguma luz sobre este problema, abordando o ciclo hidrológico, o que é uma nascente, como elas resolvem boa parte do problema da falta d'água e alguns exemplos de projetos que deram certo no Brasil e fora dele para salvar as nascentes e a nossa água.
As nascentes e o ciclo hidrológico
Imagine duas casas, ambas ligadas a empresa que fornece água. A primeira casa não tem uma caixa d'água, porém a segunda possui. Assim certo dia a companhia de água interrompe o fornecimento por 12 horas, por exemplo. A casa que tem somente a ligação direto "da rua" terá suas torneiras completamente secas. Já a segunda casa, que possui uma caixa d'água, não terá problemas por um bom tempo, pois a tal caixa irá fornecer provisoriamente toda a água necessária (isso claro dependendo do tamanho da caixa e da administração da reserva).
Apesar de muito simples este exemplo é uma ótima analogia para o funcionamento das nascentes. Nascentes nada mais são que caixas d'água naturais' que estocam a água das chuvas e vão liberando esta aos poucos.
A evaporação das águas dos lago, rios, terra e mar alimentam a atmosfera com umidade formando as nuvens, que caem nos terrenos (ou no mar) alimentando novamente os rios e lagos. Porém nem toda a água que cai como chuva vai para o mar ou vira um rio ou lago. Uma grande parte dela é absorvida pelo solo, como uma espécie de esponja, e fica ali retida. Esta água é uma das bases de formação dos aquíferos e a principal das nascentes.
A floresta ou mata ajuda o solo a tornar-se ainda mais esponjoso, retendo maiores quantidades de água. Além disso esta cobertura verde evita que grande parte da água acabe evaporando, o que pode deixar o solo seco e improdutivo. Outras funções da cobertura vegetal são: impedir que a chuva leve o solo embora, evitando o empobrecimento deste, impedir o assoreamento (acúmulo de areia e/ou terra) de rios e lagos que os torna menos profundos ou até os destrói completamente, o entupimento/obstrução de nascentes e outros danos como desmoronamentos, alagamentos e etc.
Este é o motivo porque no passado era raro ver um rio seco mesmo em época de seca. Estes recebiam, durante os períodos de seca, das nascentes muita água retida ao longo dos períodos chuvosos. Porém este ciclo vem sendo quebrado já há muitas décadas e hoje sofremos as consequências.
Será que você, leitor, adivinha quem vem fazendo este desserviço de gradualmente destruir as fontes de água? Acertou quem apontou o dedo para si próprio.
A falta de chuvas em um período é uma condição necessária para uma crise hídrica, mas não suficiente, ou seja, não é só a falta de chuva que explica a falta d'água.
A morte de nossas nascentes, rios e aquíferos
Alardeou-se na mídia há alguns anos atrás que o Brasil (juntamente com Argentina, Uruguai e Paraguai) possui o maior aquífero do mundo, o chamado Aquífero Guarani'. Esta notícia fez muita gente acreditar que nunca faltaria água em nossas casas, na agricultura (uma das mais ineficientes no mundo em termos de uso da água) ou nas indústrias, porém este mito caiu por terra.
Uma reportagem do Jornal Hoje mostra a situação absurda das nascente que alimentam nossos rios. Uma pesquisa da UNESP (Universidade Estadual Paulista) revela que metade das 54 nascentes do estado de São Paulo monitoradas pela universidade estão secas.
Em 2003, os pesquisadores visitaram estas nascentes e voltaram em 2014 para verificar como estavam. Segundo Lilian Casatti, um dos pesquisadores envolvidos no projeto,
"Nesse período a gente conseguiu quantificar que 81% desses riachos anteriormente mostrados, perderam qualidade aquática de maneira geral e perderam volume de água".
Os pesquisadores constataram que o grande problema são as matas ciliares que foram completamente destruídas.
Uma experiência no caminho inverso foi feita neste período. Uma área que há 10 anos atrás não tinha quase água foi reflorestada com mata ciliar e atualmente, apesar da seca recorde adivinhem
possui água corrente e límpida.
Jaquelini Zeni, outra pesquisadora da UNESP, é enfática ao dizer:
"A gente tem que começar a plantar realmente árvores nesses riachos, do lado desses riachos pra gente poder daqui um tempo colher água, porque senão, a gente vai enfrentar situações extremas, como a gente está vendo".
No caso dos aquíferos outros fatores estão gradualmente acabando com nossa água como o excesso de poços artesianos ilegais e a poluição do solo. A recarga dos aquíferos, que pode levar séculos, também está gravemente comprometida, pois com menos florestas menos água consegue chegar ao subsolo.
As Veredas também estão morrendo
Outro caso impactante é a morte das Veredas em Minas Gerais. Típicas da região do Cerrado são uma das principais fontes de água para o rio São Francisco, que está morrendo.
As Veredas são áreas alagadas que possuem como vegetação nativa principalmente o buriti. Ver um buriti viçoso indica que naquela região existe água. Assim como as nascentes na região da Mata Atlântica, as veredas também agem como caixas d'água no Cerrado e dependem também da cobertura vegetal nativa para sobreviver.
Além disso, as Veredas são uma fonte direta de sustento de inúmeras famílias da região norte e nordeste de Minas Gerais que sofrem com a falta d'água, algo impensável anos atrás.
O biólogo Walter Neves afirma:
"De um total de 100 a 200 veredas que existem no município de Bonito de Minas, cerca de 60 já secaram nos últimos dez anos"
Do que adiantam as obras de transposição do São Francisco se nada ou muito pouca coisa está sendo feito para salvar as nascentes do rio? Dinheiro para as obras não deve faltar, mas a água em breve irá.
Um problema mundial
Engana-se quem pensa que o problema da água é exclusivo do sudeste brasileiro. O nordeste sempre viveu as agruras da falta d'água e isto sempre foi negligenciado ou utilizado por políticos para promover inúmeras politicas que os mantinham no poder.
Mas em todo o mundo o problema ocorre, seja na Califórnia, Índia, China, Saara, Austrália. Uma pesquisa recente da NASA (Agência Espacial Americana) utilizou satélites de monitoramento que mapearam a situação das águas subterrâneas da Terra. Segundo o estudo a situação é alarmante! Estes aquíferos estão sendo literalmente sugados' em excesso e sem chance de recarga.
A água subterrânea dos aquíferos, que deveria ser usada com parcimônia, pois é uma reserva, uma poupança, é usada como se fosse um recurso infinito, o que não é verdade.
Experiências que deram certo
Mas existe esperança em meio ao caos. Dois casos são emblemáticos na ação do poder público e do cidadão na luta a favor da água. A primeira é o exemplo do município de Extrema, localizado no estado de Minas Gerais, próximo a Serra da Mantiqueira.
Em 2007, a prefeitura de Extrema lançou um projeto chamado Conservador das Águas' que tinha por objetivo proteger as nascentes do município, nascentes estas que alimentam o Sistema Cantareira de represas, uma das principais fontes de água do município de São Paulo e outros.
Em troca da preservação das nascentes localizadas em suas propriedades os donos de chácaras, sítios e fazendas recebem uma compensação em dinheiro, o chamado "Pagamento por Serviços Ambientais" (PSA), recebendo o título de "produtor de água".
Para que o projeto fosse colocado em prática a prefeitura e seus parceiros disponibilizaram assistência técnica e apoio financeiro.
Segundo o IPEA, a Sabesp (Companhia de Saneamento de São Paulo) gasta cinco vezes mais com o tratamento das águas da represa do Guarapiranga do que com o Sistema Cantareira, pois a água deste é de muito melhor qualidade. Esta qualidade deve-se muito a Extrema por as entregar ao sistema com alta qualidade, inclusive com padrão superior aos exigidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)!
O projeto virou referência na questão da conservação da água e ganhou vários prêmios incluindo, em 2013, o prêmio da ONU como uma das melhores práticas mundiais de conservação das águas.
O projeto também foi destaque em uma matéria espetacular no programa Globo Rural em 2013.
https://www.youtube.com/watch?v=liMykOALfxU
Durante a atual crise que afeta vários municípios do sudeste brasileiro o município de Extrema não enfrenta grandes problemas de abastecimento, resultado de seu cuidado com a água. Os produtores rurais que aderiram ao programa de conservação não enfrentam escassez e a cidade tem seu abastecimento normal.
O outro exemplo é o de Nova York, Estados Unidos. No programa norte americano a prefeitura da cidade de Nova York financiou os produtores da região de Greene, onde ficam as montanhas Castkill, local de várias nascentes de rios que alimentam o sistema hídrico da cidade. Desde a década de 90, Nova York vem investindo no projeto e já reverteu mais de 1,5 bilhões de dólares na preservação dos mananciais de Castkill, compra e arrendamento de propriedades, pagamento aos produtores locais pela preservação das nascentes, construção de pontes para travessia de animais, tanques de contenção de dejetos dos animais das fazendas locais e investimento no sistema de esgoto da região.
Em compensação a cidade de Nova York economizou em torno de 10 bilhões de dólares em tratamento convencional da água que não necessita mais fazer já que esta é muito mais limpa do que antes do projeto.
Conclusão
O mito da água infinita definitivamente caiu por terra. Hoje já sentimos que ela, aos poucos, torna-se mais escassa devido a problemas que nós mesmos criamos. O Brasil trata de maneira vergonhosa um de seus principais bens.
O problema da água não é só do governo ou de São Pedro, é um problema de todos, pois em ultima instância, somos nós que consumimos a água e, assim sendo, deveríamos cuidar para que ela não acabe.
As soluções que tem sido apresentadas são meros paliativos midiáticos e eleitoreiros que provavelmente acabarão por encher os bolsos de empreiteiras e não atacarão o principal problema: as nascentes de nossos rios e represas estão morrendo lentamente e ninguém está fazendo nada ou o que está sendo feito não é o suficiente para resolver o problema.
Como visto nos exemplos acima o gasto com a preservação das matas e nascentes é muito menor e mais eficiente do que os gastos com sistemas complexos de tratamento, porém elas não dão lucro para as empresas e por isso não são incentivadas.
Revitalização das matas ciliares com o replantio de florestas junto as nascentes será um dos principais caminhos para assegurar nossa água no futuro além, é claro, do combate à extração ilegal dos aquíferos, poluição e desperdício em casa, na agricultura e na indústria. O grande desafio será transformar a lição que recebemos atualmente em algo concreto no futuro e não simplesmente esquecer o passado e continuar tratando a água com o descaso que sempre a tratamos. As crises serão cada vez piores.
Em última análise nós podemos sim fazer muitas coisas e temos que fazer agora, independente dos governos e enquanto ainda existem esperanças, afinal nós podemos preservar as nascentes que estão ao nosso alcance, seja porque em nossa propriedade existem nascentes, seja por que não jogamos lixo em áreas de preservação da água ou desmatamos.
Qual ação você pode começar a fazer agora em sua comunidade, na internet, etc?
Fonte: sermelhor.com.br
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